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Dos dias que passam longe da prátria amada, quando já se é quase mais de cá do que de lá. "I'm a legal alien".
Esta semana despedi-me do meu irmão mais novo, que foi estudar para Londres. Há dois anos e meio, foi a despedida do nosso irmão mais velho, que decidiu ir para lá trabalhar. Entretanto, em junho, completaram-se três anos desde que os meus pais voltaram para o Brasil.
Porque é que não vais com eles? Sei lá. E porque não ficar?
Criei raízes. Não sei se será mais pelo amor, pelos amigos ou pelo trabalho, mas são fortes e difíceis de arrancar. Sinto quase a dor do puxão quando envio alguma candidatura para fora daqui, e não esquecer que a dor é o alerta do corpo de que algo está mal. E realmente, mesmo que signifique continuar longe da família, algo parece estar mal quando penso numa vida fora daqui.
Quando me for – se um dia decidir, de facto, ir – não vai haver contagem dos anos que aqui vivi, porque não há números que traduzam “desde que me dou por gente”. Apesar de me sentir 100% brasileira, sou também 100% do Porto (no coração as leis da matemática são outras). Não é apenas a cidade ou o país onde construí a minha vida. Apesar das minhas mil queixas sobre o jeitinho tuga de ser, o facto é que tudo em mim, desde os palavrões com sotaque ou simplesmente ao pensar com uma mão no coração, não me deixa mentir: já sou demasiado portuguesa, sou mesmo daqui.
Perguntam-me novamente se tenho a certeza de que quero ficar. Caramba, quem tem certeza de tudo nesta vida?
>> Da minha coluna "Ligeiramente Alienígena", no blog da associação Código Simbólico.
Já estamos quase no fim da segunda jornada da fase de grupos e esta tem sido, conforme prometido, a Copa das Copas.
Este tem sido o Mundial das mil e uma surpresas, desde a desgraça das campeãs Espanha e Inglaterra aos delírios da Costa Rica e da Colômbia, passando pelos jogos de mesmice do Irão e da Grécia (que, vá lá, não é propriamente surpresa), pela infelicidade que é ver o Brasil jogar como se comprar árbitros fosse o suficiente para ganhar jogos, e pela tragédia refletida na cara de todos na esplanada quando Portugal levou quatro golos contra a Alemanha.
Para mim, esta Copa trouxe algo novo: uma vontade verdadeira de apoiar a seleção portuguesa. Nunca foi mistério para ninguém que a minha preferência no futebol vai para o Brasil, porque lá o futebol é um jeito de viver e também, de certa forma, porque os portugueses têm mau ganhar e mau perder. Mas, quem diria, o CR7 com quem tanto embirrei durante todos estes anos convenceu-me que, desta vez, Portugal iria saber vencer. Vamos, Portugal!
Não, não estou no Brasil. Mas, para quem - como eu - quer acompanhar a Copa do jeitinho brasileiro, aqui vão os melhores canais para seguir o Mundial: Desimpedidos e Impedimento.
#nãovaitercopa vs #vaitercopasim
Os protestos também prosseguem e os dias de grandes jogos são dias de manifestações nas cidades-sede. Já foram feitas dezenas de detenções por várias cidades mas o furor dos manifestantes tem sido controlado o suficiente para não agourar nem a festa, nem a validade das suas reivindicações.
O Brasil continua sem bons hospitais, sem educação de qualidade, só temos polícia a trabalhar dignamente quando há estrangeiros na parada e os políticos continuam a esfregar as mãos enquanto o dinheiro do investimento nos mega-eventos vai para os seus bolsos. E, no entanto, continuamos a amar o nosso país e a apoiar este grande evento que, a bem ou a mal, mostra ao mundo que estamos aí para ficar.
Para terminar, uma pequena nota sobre o orgulho de ser brasileiro - de um texto do qual discordo nalgumas coisas, mas que pode explicar muito.
"Uma pequena digressão, caro manifestante: recentemente entrevistei o antropólogo Roberto DaMatta, um pensador de 74 anos que tem como missão de vida entender a nós, brasileiros. Ao conversar sobre a Copa do Mundo, eu disse ao professor DaMatta que, desde criança, sinto uma emoção profunda cada vez que vejo os jogadores da seleção brasileira cantando o hino nacional. Me esforcei para confessar para o intelectual que muitas vezes essa emoção inexplicável e piegas – que vem do meu mais profundo âmago – me faz chorar.
O sábio professor olhou para mim com doçura e disse que eu não precisava me envergonhar, pois ele também sentia essa mesma comoção. “Nos emocionamos porque achamos que, como povo e país, não valemos nada”, ele disse. E continuou: “No fundo, nos vemos como um país atrasado e insignificante. Nossa autoestima é muito baixa. Não gostamos de nós mesmos. Mas eis que, no futebol, encontramos uma possibilidade única de redenção. Nesse quesito, nossa grandeza é reconhecida. O mundo se ajoelha diante de nós. Não somos uma escória e, redimidos, choramos”."
in Revista Trip
Em dezasseis anos, só um dos nossos primos nos tinha vindo visitar, acompanhando a minha avó. Mas isso foi há muito, muito tempo, quando ainda não podíamos ir longe e o frio do Inverno nos mantinha demasiado tempo dentro de casa.
Desta vez foi diferente. Dezasseis anos depois, elas vieram e chegaram no esplendor do verão. Andando em matilha por aqui e acolá (está no sangue), passeamos e perambulamos e aproveitamos tudo o que havia para viver, pé na estrada, câmara na mão, telefone sempre a postos porque o contacto com a mamãe não é para se perder. Mostramo-lhes um pouco de cá como bons portugueses que já somos, mas sentindo-nos em essência um pouco mais perto do nosso Rio - entre rimas, risos e rios de cumplicidade.
E foi isto que tornou o meu verão quentinho - de dentro para fora.
Desde que os meus pais voltaram para o Brasil, toda a gente me pergunta o que é que ainda estou a fazer em Portugal. Não é de um dia para o outro que se faz uma mudança destas - até porque não estaria propriamente a ir para o desconhecido, não há a aventura nem o friozinho na barriga de deixar a vida me levar.
Posto isto, fica aqui uma lista de pequenos privilégios que fazem da vida em Portugal menos dolorosa do que no Brasil.
1. Atravessar calmamente nas passadeiras.
Não sei até que ponto os portugueses têm noção do privilégio que é poder atravessar uma rua sem esperas nem correrias. No Rio, o risco de morte é igual quer atravesses dentro ou fora de uma passadeira, e o mesmo se passa com o tempo de espera para atravessar as ruas mega movimentadas. Isto quando há passadeiras. O que salva é que no Centro há mais semáforos.
2. 4M.
E tudo o que envolve as linhas da madrugada da STCP. Primeiro, por existirem. Segundo, por terem horários certos. Terceiro, por ser possível - leia-se seguro - apanhar um autocarro à noite sem temer pela vida. Quarto, por ser possível chegar a casa com o MP3 ligado e não ter que olhar à volta paranoicamente antes de tirar a chave da carteira e pô-la na fechadura. Ponto extra: tudo isto com um passe.
3. Saldos.
Não que não os haja no Brasil, mas o facto é que a roupa lá é cara com ou sem descontos. Não há H&M, Stradivarius nem Pull & Bear. Nem saldos como os da Zara e da Mango. Nem preciso citar as lojas da Baixa com roupa em segunda mão a 3 euros...
4. Concertos.
Os festivais de Verão em Portugal são bons, bonitos e baratos. O clima é ameno, o cartaz é porreiro e a maioria das pessoas à tua volta também é pobre como tu. Pode-se dizer o mesmo dos concertos em geral, que por cá são acessíveis a qualquer alma que deixe de comprar Cheetos/chiclas durante um mês. Do outro lado do oceano é tudo caro. Além de que nunca ouvi falar de festivais de Verão no Brasil além do de Salvador (que é carnavalesco, e portanto não conta).
5. Low cost.
Isto parece snob, mas a verdade é que não se vai do Rio para Madrid por 30 euros. Nem do Rio para Paris por 60 euros. Nem do Rio para Londres por 85 euros. Nem do Rio para Berlim por 100 euros. Simplesmente não se vai.
Podia continuar a lista com mais meia dúzia de coisas (gin a 3 euros, bacalhau com natas, comunicações baratas, centros de saúde com médicos competentes, etc), mas acho que mesmo com exemplos supérfluos já dá para perceber que ficar por cá não é assim tão mau. É claro que nada disto me impede realmente de ir para o Rio (apesar de fazer a minha vida um pouco mais miserável do que a que tenho no Porto).
O que me prende são as raízes.
5 coisas que não tenho no Brasil (+ o que realmente me prende a Portugal). Uma Beca de Rebeca, 21 de agosto de 2013.
Ainda me lembro do ano em que fiz 14 anos. Comecei a verificar todos os dias de férias que tínhamos passado no Brasil, todas as viagens que pudéssemos ter feito para outros países que descontassem um pouco a contagem. Dentro de poucas semanas, eu teria estado mais tempo em Portugal do que no país em que nasci.
Já lá vão quase dez anos desde esses 14, e a contagem vai-se tornando cada vez mais dolorosa. Torna-se ainda pior porque, no meio dos mil e um problemas da adolescência, juventude e início da vida adulta, não há muito espaço para continuar a acompanhar tudo o que se passa lá e cá. É preciso escolher. E começar a perder o contacto com as raízes.
Estava no secundário quando, pela primeira vez, fiz a associação entre o conceito de "imigrante" e a minha situação. Ainda bem que foi tão tarde. Ser imigrante é ser forasteira. Já imaginaram ser o elemento de fora quando o que se quer é ser aceite? Foi aí que começou a esquizofrenia. Na escola (e mais tarde na faculdade), toda a gente que ia conhecendo desde cedo sabia que era brasilera. No íntimo, pelo contrário, cada vez mais me afastava dessa identidade, escapulia às chamadas com os avós, não me interessava quando a televisão estava ligada no GNT, distanciando-me daquilo com que não podia ter contacto direto, de verdade.
Hoje poderia dizer que está resolvido, que encontrei o equilíbrio entre os meus dois lares. Mas a que custo? Os meus pais regressaram ao Brasil, é preciso saber sempre o que se passa com eles. Temos ido todos os anos visitá-los (em vez dos antigos espaçamentos de três ou quatro anos), o contacto com os primos já volta a ser mais próximo. Paira sempre a hipótese de voltar para trabalhar lá, e assim entra o stress de me pôr a par de tudo o que, durante anos, evitei ouvir falar.
Desde os meus 14 anos penso seriamente se serei já mais portuguesa do que brasileira. Por alguns anos, pensei ter encontrado uma resposta. E agora, José?
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